Na margem de tudo o que é dito, antes e depois do discurso, há um
vão, que se abre entre a epiderme e a embriaguez do que é vulgar e
divino, neste buraco escondemos o que nos é mais precioso, é
inominável por isso, sem rosto, sem cheiro, sem altura, escorre
junto ao phatos, e tem um ar de fôlego que resseca a razão, pende
como um escroto pendular entre as pernas de Netuno Negro vendendo
Tridents no vagão do metrô da linha vermelha, e pode gerar proles,
pode erigir sonhos, lembranças, desejos, tudo aquilo que a gente
guarda bem esquecido no canto escuro da casa, como um corpo
assassinado, mas que logo começa a cheirar, e antes que todos
percebam, estamos lá, remexendo naquilo, tentando encontrar algum
lugar seguro para esconder novamente, sem ousar olhar para a coisa,
tateamos cegos o que poderia ser nossa salvação, nossa única
virtude, a única coisa que podemos olhar a fisionomia e dizer, isso
é meu, nosso pecado mais original, a única coisa em que
realmente podemos nos fiar e que fazemos questão de esconder no
escuro inalcançável de nossos corações...