29.9.10

para Anabelle

.

  seja irrepetível
           e no entanto
                         diga:

                                          – pausa prolongada sob Cronus axial –



                                                           com o mesmo descuido
                                   de um primeiro alçar de asas
resposta descuidada
                    a     caminho


                 seja irrepetível
                              e no entanto...


se são margaridas que esperam atentas ou mesmo disfarçam sem a mesma preocupação

  seja irrepetível

                                               
incorrigir-se depois de despir
                             desvio de mão                   -                       (devia não)
no entanto
                     toque-me!                                                          (devia não)

                                 e não haverá                                       (devia não)
                                                 qualquer
                                                                repetição               (devia não)
.
.
!

27.9.10

de 'Proclamation sans PRETÉNTION'

Perdoe-me por ser teu...

chorosamente debruçado
em tuas malhas amorosas
soluçando o calor da minha bílis
maculando teu seio carinhoso
com as farpas imaginárias
de minhas imprecações odiosas
ao mundo!

Teu amor é uma sacra alcova
e eu, um afortunado hóspede
trago mal-agradecido
iníquos demônios desabrigados
para o teu leito de infinitas delícias.

             E não me odeias por isso.

Teu peito é feito
da mais sutil das matéria bondosas
e não se arriscam teus lábios
a misturar-se às minhas injurias
     cheias de som e fúria.

Meu vicio indolente é feito
graça no teu corpo fértil de candura

     Me amas  -   E não me perdoas por isso...

de Alimentos Prescindíveis

quedantes pós-tudo! que prefiram lançar-se de bunda em largas cadeiras e esperramar seus cérebros cheios de verdade enquanto eu a frente do alto-comando dos vermes mastigadores de paradigmas, delicadamente repousarei minhas pequenas tormentas sobre vossos apoiadores de chapéu e jantarei fartamente todas as midongas postulares de sua imaginação. Comedores de sonhos! a postos! estaremos a calcular a medida que refaz o homem em cada fase de suas escolhas: é preciso que existam antes de tudo! e agora deixa-nos observar com a decadência de nosso apetite o que nos resta afinal... ali: o homem-ferramenta, que pensa, pobre coitado!, de tudo poder aparamentar-se como se pudesse se apropriar da vida através de notas pedagógicas!... mais adiante, vejam: o homem-côncavo, o guru macio dos novos tempos, seus olhos são como bolhas de sabão, e a vida para ele é verdadeiramente aquilo que deveria ser, ele prega compassivamente seus arco-íris sobre a felicidade dos homens, e as crianças quase sempre se riem dele, 'está nu'!... ele usa as roupas novas do imperador... e alí, risivelmente ao lado das massas: o homem-neutro, vivido pela própria circunstância, optado por não escolher, escolhe a não-escolha, omite-se dentro de um objetivo claro e alcançável, encontra-se de mãos atadas e inveja o cão que ainda pode coçar as próprias pulgas...  Perceberam? possuem a carne tão dura que os tornam indigestos pra nós...

25.9.10

de Manhã

morredores que morram! sobremos apenas para poder apreciar minutos confundantes ou sem isto nem sobreviveria o tempo que se leva pra crer na decomposição e no antepasto no lote e na razão na  coluna e na recém-vida daquela que não nos pede mas nos notifica... ao mal entendedor o dicionário de sinônimos!

24.9.10

de 'Caderno Espanhol'

Anabelle dizia que não conseguiria imaginar uma vida sem mim. Imaginava que não conseguiria. Talvez por isso não tenha voltado. Talvez porque pensasse que eu já não estava mais aqui, e talvez não estivesse mesmo... O estilhaço da vidraça continua alí, intacto. Mesmo ausente fui capaz de empurrá-la janela abaixo. Lembro da primeira vez que isso aconteceu. Anabelle entrou cambaleante pela porta e seu sangue vermelho brotava de seu umbigo e ia escorrendo pelas suas pernas brancas, seus lábios estavam rubros e se alongavam pelas paredes da sala. Sorria e me perguntava sobre sua guirlanda de papoulas, os tickets da ópera... Orfeu e Anabelle. De seus joelhos gotejavam seivas de melancolia dura e os seios flutuavam numa bacia de leite... Percebi hoje o quão criminoso é o amor. Amanhã ainda chove. E todo o esgoto do céu continuará despejando lágrimas criminosas sobre mim, gotas de chumbo derretido cujo peso me é insuportável. Decido parecer menos vadio nos próximos dias...

23.9.10

adiós

I
Ouço o portão se fechando. ele se curva para me olhar mas quando olho pra trás ele já se foi. mantenho os olhos fixos nela. na parede onde dependuramos nossas lembranças. ele continuará ali parado olhando seu próprio rosto envelhecer. tudo ali continua intacto. examino atento dentro de mim e nada falta. a ausência ocupa o seu lugar. acredito que existem certas variações de ordem aleatórias ao pensamento. uma delas é o tempo. o instante presente será memória daqui a pouco. mas o ar e as coisas imóveis no lugar onde as colocamos estão ainda como estarão. e isso não muda em nada a ordem em que aconteceram. sua presença é sentida por isso e pela própria ausência que ocupa o seu lugar. e sorrisos. não mudam paisagens? o sorriso é outra coisa que não muda. alí na parede. entre a pedra e o meu rosto. sentimento de natureza morta. não importa lembrar. estará ali sorrindo pra mim daqui a pouco mesmo sem poder lembrar o que sentia quando sorriu.
esta hora é imortal. mesmo que ninguém se lembre dela. desde o momento em que aconteceu terá existido para sempre. mesmo que ninguém se lembre ela viveu na memória imortal das coisas.
nem uma música. nem um latido. nem um ronco de motor. faz dois mil anos que estou aqui e este silêncio nunca me pareceu tão triste. não quis acordá-lo. dormia tão gostoso. se tiver que ficar aqui nesta imensidão emudecida será necessário enlouquecer – para minha própria segurança. nenhum ruído para me dizer que as coisas serão daqui pra frente como sempre foram. é porque o tempo trai. a lembrança: o som do portão que já se fechou. eu preciso escutá-lo a todo instante. a ferrugem espremendo o ferro. os passos mastigando as pedras. e a voz dizendo que foi só lembrança ruim. ele precisa arrumar o portão que está velho. a lembrança que trai o tempo. agora lembro. lembro do portão se fechando. lembro do sorriso. da foto. a lembrança trai. o som enferrujado da despedida. eu não o culpo. despedir dói. ele não vai lembrar. mas vai doer. vejo da janela que o portão está fechado como sempre esteve. nada mudou. mas o silêncio lembra ao tempo que a lembrança trai. dói. não sei se já disse antes. mas algo em mim dói.

II
A idéia de dizer adeus a alguém é de quase morte. ele precisará viver. parte de você deixa de estar presente. ele mal sentirá minha ausência. por isso prefiro não dizer. prefiro pensar que acabaram as maçãs. pronto. logo estará aqui. ela e um cesto cheio delas. vermelhas como nos contos das fadas. como nos contos em que há uma cesta cheia de memórias e de maçãs. mas não. a memória em poucos segundos terá de reinventar quem sou. pois há uma caixa imensa de maçãs na dispensa que me obriga a não preferir pensamentos sobre contos e cestos. não há fadas na dispensa. e na verdade agora mesmo penso que o que fui com tanta convicção foi só uma invenção. deixarei para trás os restos. as ruinas do tempo continuarão se degradando com o passar dos dias. e aqui eu permaneço pra sempre. traindo a memória e sendo traído por ela. na medida em que envelheço o tempo a lembrança escurece. é noite. a parede permanece pregada na memória e as fotos nela penduradas são as mesmas e continuam sorrindo. ainda não lembro o motivo. mas não importa. elas continuarão sorrindo alí amanhã pela manhã. boa noite. e lá será mais fácil não lembrar de hoje.
III
A distância dos corpos faz com que a idéia de que alguém de carne e osso tenha estado aqui deixe de ter existido algum dia. hoje a cama parece maior. sinto falta de alguma coisa mas não consigo entender o que é. a lembrança acusa qualquer coisa ligada a imaginação. ele teve um sonho agitado. sonhou ruim. a lembrança pressupõe alguma coisa perdida no passado. a imaginação não lembra o que é. o tempo se existe pode esquecer de lembrar. neste caso a imaginação trai a lembrança. e eu percebo agora o que é das coisas sem fim. percebo que esqueci. vaguei aflito pelos cômodos da casa como quem desperta e não se lembra o que sonhou. não conseguia lembrar nem se tinha sonhado algum dia. já ouvi dizer que os sonhos são como pontes entre os dias. e hoje como não me lembrava do que havia sonhado me sentia preso em mim mesmo dentro de hoje. a memória não conseguia percorrer pela ponte. e assim sem poder atravessar os dias não consegui lembrar.
o grande mistério da vida parecia ter se banalizado numa via de mão única. nada do que havia aqui tinha origem. tudo apontava para o acontecimento presente que ia e ia se estendia mais um pouco e ia mais adiante até o futuro. mas como ir sem saber de onde? não entendia o porquê. mas não consegui tirar os olhos daquela parede. aquelas fotos sorrindo pareciam testemunhar algo. um som de ferugem arranhava meus ouvidos. mas não sabia se vinham de onde ou de lugar nenhum. e um adeus entalado no pescoço não quereria dizer nada. ele se acostumará logo. penso que seria uma questão de tempo até me acostumar com isso. essa sensação de estar sozinho no tempo. sozinho comigo mesmo. por onde eu passava me observava como se estivesse atado na sombra dos meus pés. quando se fechava a porta do quarto lá estava eu cerrado à mim mesmo. não podia me sentir tão só do que acompanhando alguém como eu. mal lembrava de onde me conhecia. sei que estive lá e aqui desde que me percebi. ontem chorei de saudades dele. por instantes o rangido enferrujado do portão parou. e o silêncio me entristeceu amargamente ameaçando minha higiene mental.
havia uma possibilidade de passar por aquilo sem desequilíbrios. era só me sujeitar ao tempo e a sua corja de agiotas e cafetões. mas há misérias sob as quais nossos olhos pousam no início pela vocação em admirar o terrível e o belo. depois passa-se a crer possível uma mudança entre o observador e o objeto observado. era por certo bela a tentação a de me perder dentro de mim mesmo para nunca mais. e era terrível perceber que cabia a mim escolher entre as maravilhas do mundo subterrâneo e as contradições de uma vida exemplar e controlável. o portão voltava repentinamente seus gemidos aos ouvidos. e isso me acalmava. meu equilíbrio dependia disso. um ranger metálico que harmonizava os sorrisos fotográficos naquela pedra.
e lá estavam todos os dentes. os olhos semicerrados. o tempo estancado numa moldura fora de época. e a pergunta inevitável. à quem pertenciam.
IV
Olho pela fresta da janela e acuso a mim mesmo de ter deixado de habitar o estranho mundo das coisas lá fora. mas quando vejo a massa bípede de homens e mulheres calçando grossas camadas de vícios e virtudes penso que a melhor maneira de manter intacta a imagem de mim mesmo é ficar aqui. me recolher sob o som imemorável da ferrugem. e resistir as últimas degradações da memória. ao menos não me esqueceria de mim mesmo abandonando-me as ações frívolas dos que se ocupam em se ocupar com as coisas do mundo. decidi que o portão rangendo os dentes era como o meu próprio nome. impossível de esquecer. meu corpo era o templo intacto da pedra diante de mim sustentando sorrisos que não me pertenciam. e assim corpo e nome mantinham minha identidade. prova última da minha existência. todo o resto já tinha se esvaído. em mim apenas o esforço em não viver experiência alguma. apenas a atitude esmagadora de negar os pensamentos que pudessem me preencher com novas lembranças. agora faltava pouco. sim. logo nos reencontraríamos. assim não deixaria de existir. já que tudo já havia sido esquecido.
havia cantigas da infância que me visitavam com certa freqüencia. eram elas aquelas melodias assassinas cheias de imagens que me queriam pra si. me queriam levar a um lugar que eu não queria ser levado. queriam habitar o meu tempo meu pensamento minha memória. queriam me separar do meu corpo. era um rítmo impiedoso de ciranda que ameaçava os rangidos enferrujados da lembrança. corri desesperado em fuga pelo corredor onde o portão enferrujava e abraçado às suas lanças chorei feito menino. empurrei-o num movimento contínuo ouvindo-o falar o meu nome. rangia feliz. era o meu nome. eu sou este som rangido. a infância não levaria o meu nome. ela me queria portão à fora em direção aos jardins das infâncias mortas para cavalgar comigo nos antigos carrosséis da memória. voltei ofegante onde os sorrisos me pregavam o corpo com medo que a ciranda os tivesse levado. e lá estavam. a pedra na memória. sorrindo. sempre. por um descuido poderia esquecer-me ali. precisava me manter atento. pendurado na pedra fria. e deixando de escutar o ferro espremido deixaria de me lembrar. era preciso manter-me intacto na memória das coisas. expulsar qualquer pensamento ou coisa que me impedisse de ouvir e ver o que eu era agora. jamais alguém conseguiu permanecer no tempo presente por tanto tempo quanto eu permanecia. as coisas ali não eram esquecidas. não eram lembradas mas não importavam tampouco. era ali que eu sentia que devia permanecer por tempo interminado. era dali que era necessário continuar. ali me guardava em memória. quantas coisas novas ele viveu. que um dia ela se lembre de mim.



V
Antes do fim deste dia eu teria mil motivos pra jurar que nunca tinha estado ali antes. nem mesmo um pensamento sobre mim ou sobre o mundo poderia me acusar de tê-lo imaginado. eu deixaria de existir no mesmo instante em que provasse isso para mim mesmo. já havia me convencido que antes de hoje não houve nada. é inevitável voltar. ocupar o que me falta. mas também não pertenço mais ao meu próprio passado. já não podia lutar contra os novos pensamentos. não conseguia manter o tempo ao lado da parede sorrindo ferrugens e inventando memórias. os dias acusavam o esquecimento. a morte das coisas. há novas coisas pra guardar na lembrança. só assim. pregaria minhas recordações ao lado daquele quadro de imagens alegres. e a lembrança sonora ficaria em mim. para sempre intacta. ele ficará mais contente que eu. algo meu ficou lá longe. entre uma despedida e outra. preguei-me na memória imortal. o silêncio tomou conta de tudo. as cores embranqueceram aos poucos toda a textura da casa. e o calor do corpo rompia as frestas da janela e me esfriava prazerosamente. senti-me pela última vez com os olhos gelados. um rangido no portão. ainda dorme? olho para as janelas cerradas. um último ruído. o som enferrujado da despedida. é real. a porta se abre. seus olhos se fechavam pra sempre. uma voz dizia. eu não o culpo. despedir dói. ele não vai lembrar. mas vai doer.

21.9.10

de bóis ar in lóv



Pelo sempre
                         no tempo:                  à bala                   –                      ice kiss

                             (coitados são previstos em contos além da lenda)


                                         numa canção   -  Orfeu além da morte
                                                                ''e
                                                                  eu
                                                                      eurídice
                                                                                             e
                                                                                                eu''

                                                     descidos
                                                                   além do
                                                                              que previa
                                                                                                o tempo



      em versos de ofídio:           não havia Verona nem
                                                                           pentâmetro iâmbico -
               catástrofe no diário de elizabeth!

                       na estrofe um trote do balança-lança            -         coito contínuo

  p          o           s            t           m          o          r          t          e          m
                                                                                                             nem além

                                 Eurídice-animal-doméstico.
                              Eurídice-saco-de-carne.
                            Eurídice-cousa-sagrada.
                         Euricida-de-amar-a-quem-lhe-parecer-melhor-quando-e-onde-quiser.
                                                 Eudisse: propriedade-minha

é manifestação infestiva do amor eterno      –    para ser claro
                                                                                     basta ser obscuro

19.9.10

de Tarde

datilograficamente desperto de tudo o que foi dito até mesmo do silêncio e seu sotaque em si bemol às vezes quente às vezes frio tão incontínuo quanto a palavra que acende a fragilidade de um exoesqueleto ou da faculdade artística de uma pequena besta que faz formas como do barro que deus fez

18.9.10

de 'Caderno Espanhol'

Estão crescendo pêlos por toda a parte da casa. As paredes estão ficando cada vez mais sedutoras de se escorar. Sinto falta de rever os amigos... No entanto esta parede está muito mais confortável. E há uma janela. Como os olhos de um gato em que eu estivessse vivendo - sobrevivido morador das suas vísceras felinas... Quando a casa ronrona sei que algo em mim também está se movendo. Passei a procurar a Beleza tarde demais. Morreu na última peste. Junto com os ratos. Está aqui, ao meu lado, entre o cadáver de um rato e uma bola de pêlo neste intestino acidamente domesticado, e... algo dentro de mim está se movendo. Possui a fúria e a força de um titã, mas se comporta feito uma ninfa num vulcão em erupção... E a Beleza aqui morta ao meu lado começa a feder...

de 'ALAS, POOR MERCUCIO!'

Cena IV –

AS RUAS ERAM MEU REFÚGIO. Nas cascatas de pedras onde são fabricadas toda a escória e toda a sujeira da cidade; no transatlântico pacífico da nevrose moderna com suas pequenas balsas; no esteio apático de intelectos sociais cheios das suas fingiduras abotoadas em botons comendo croutons e rimando cu com frisson; no belisco das sandálias que se regalam em amordaçar de fininho um bocado da nossa atenção só pra ter do que invejar às amigas; na violência dos desencontros casuais, nos violentos encontros de casais, alí, nos pés da civilização, um calcanhar agonizante de um homem despido de sí, imerso na infusão dos versos, na inversão dos fusos... e, parece que eu estou falando nada sobre nada... mas, se não era essa a boa desculpa atirada pelas janelas civilizadas de vitraizinhos amarelados, aqueles de aquarela vagabunda, então, eu não sei o que é... NENHUM HOMEM PODE COMPREENDER O ENCANTO DAS RUAS ATÉ SER OBRIGADO A PROCURAR REFÚGIO NELAS, ATÉ TER SE TORNADO UMA PALHA JOGADA PRA CÁ E PRA LÁ PELO PRÓPRIO ZÉFIRO QUE SOPRA.

Eu quando era apenas um menino já levava pra casa seqüelas de querelas indesejáveis.

Queria uma barba como a de Eros, mas o mais perto que cheguei disso foi um beiço agudo de fauno assobiando no cu de mal-me-quer; deixei que ela crescesse como quisesse, com sotaque de alga marinha, deslizando pelos contornos do meu rosto impurezas de fermento e sal; cada pêlo se sobrepunha sobre o outro; crescia desde o meu intestino, passando pelos pulmões, pelo coração, abrindo caminho na pele, emaranhando-se e apanhando carona numa curva anterior, até enfim atingir enigmáticas sucessões de formas como dobras, falhas, erosões, vulcões, terremotos... fiquei com a aparência titânica dos pré-diluvianos – péssimo pra pedir emprestado. Mas os amigos, os judeus, principalmente, não negam jamais uma ajudazinha – sei que na maioria das vezes é pra não ter que suportar a minha presença muito mais tempo do que dura uma xícara de café. Mas acho também que depois daquela coisa histórica, eles não querem inimizades com niguém de muito brio, afinal... ninguém sabe que tipo de homem a gente pode se tornar... Apesar desses amigos evitarem esses encontros, evitando passar por ruas por onde costumava flanar, eu sabia onde procurar

en la rue des passants.... onde às vezes eu me encontro estacado no chão, encostado numa parede turva esperando o quinhão do dia: e, então, eis que a minha frente surge como de uma noite mal dormida, um exército de combatentes da segunda ordem, marchando sem freios, escorrendo pelas frestas, acotovelando-se, emitindo um calor animal por todas as direções, sem comando, praguejando seu hálito fétido pelas esquinas, com todo o arrojo civilista daqueles latins: “non ducor, duco”, e como estúpidos rebentos da modernidade resgatam a alcunha da cidade: A Capital da Cobiça; e lá vão eles!, os operários do progresso!, os piolhos da atividade!... e entre esta paisagem e outras, entre a fé e a medida de cada homem, ante a miséria de cada oportunidade que o corpo oferece, seja por fome ou por falta de algum êxtase, entre todas essas coisas que fazem com que se perceba que a humanidade está supurada demais para que o homem possa florescer...

LADO A LADO COM A ESPPÉCIE HUMANA CORRE OUTRA RAÇA DE SÊRES, INCITADOS POR DESCONHECIDOS IMPULSOS, TOMAM A MASSA SEM VIDA QUE É A HUMANIDADE E, PELA FEBRE E PELO FERMENTO, TRANSFORMAM ESTA MASSA ÚMIDA EM PÃO, E O PÃO EM VINHO, E O VINHO EM CANÇÃO. E DO COMPOSTO MORTO E DA ESCÓRIA CRIAM UMA CANÇÃO QUE CONTAGIA. VEJO ESTA RAÇA VIRANDO TUDO DE CABEÇA PARA BAIXO, OS PÉS SEMPRE SE MOVENDO EM SANGUE E LÁGRIMAS, AS MÃOS SEMPRE VAZIAS, SEMPRE SE ESTENDENDO NA TENTATIVA DE AGARRAR O DEUS INATINGÍVEL: MATANDO TUDO AO SEU ALCANCE A FIM DE ACALMAR O MONSTRO QUE LHE RÓI AS ENTRANHAS...

17.9.10

para M.

talvez se imerso na fonte mais profunda do gozo

caminho de unhas silvestres
platô do desmedido encontro entre a saliva breve
e o olho durad´ouro


saberei cicatrizar?


talvez se não sangrasse a caminho da profundidade


onde há desvios de uvas
calma distraída que alcança mordida na boca
e a pele - sem resposta


não saberei cicatrizar?

de Noite

Não tenho um corpete pra vestir. Não tenho um corpete pra vestir essa noite. Não tenho um corpete pra vestir essa noite de mulher. Não tenho essa noite.

bloco-3

Sim, ventrículo direito, eu sei que às vezes você se esconde muito bem e vai sempre aonde quer ir e é levado no braço pelos amiguinhos heróicos das histórias gregas, onde pálapos era amigo do antiquíssimo senhor de alfafas, pois é, pequenino indomesticável, se você me alcançar com sua trupezinha de alphasbetasgamas eu cozinharei vocês na minha própria pia-máter e servirei p'ras galinhas no alvorecer.

de 'Caderno Espanhol'

Eu hoje poderia esculpir de uma só vez o Homem. Com essência e cheiro! Como um deus. Poderia fazer germinar-lhe pêlos ou então ensinar-lhe a dançar... E então, quando este homem estivesse pronto para amar a vida, arrancaria-lhe os braços e o faria sofrer. É preciso estar pronto para ser esquartejado todos os dias.