18.9.10

de 'ALAS, POOR MERCUCIO!'

Cena IV –

AS RUAS ERAM MEU REFÚGIO. Nas cascatas de pedras onde são fabricadas toda a escória e toda a sujeira da cidade; no transatlântico pacífico da nevrose moderna com suas pequenas balsas; no esteio apático de intelectos sociais cheios das suas fingiduras abotoadas em botons comendo croutons e rimando cu com frisson; no belisco das sandálias que se regalam em amordaçar de fininho um bocado da nossa atenção só pra ter do que invejar às amigas; na violência dos desencontros casuais, nos violentos encontros de casais, alí, nos pés da civilização, um calcanhar agonizante de um homem despido de sí, imerso na infusão dos versos, na inversão dos fusos... e, parece que eu estou falando nada sobre nada... mas, se não era essa a boa desculpa atirada pelas janelas civilizadas de vitraizinhos amarelados, aqueles de aquarela vagabunda, então, eu não sei o que é... NENHUM HOMEM PODE COMPREENDER O ENCANTO DAS RUAS ATÉ SER OBRIGADO A PROCURAR REFÚGIO NELAS, ATÉ TER SE TORNADO UMA PALHA JOGADA PRA CÁ E PRA LÁ PELO PRÓPRIO ZÉFIRO QUE SOPRA.

Eu quando era apenas um menino já levava pra casa seqüelas de querelas indesejáveis.

Queria uma barba como a de Eros, mas o mais perto que cheguei disso foi um beiço agudo de fauno assobiando no cu de mal-me-quer; deixei que ela crescesse como quisesse, com sotaque de alga marinha, deslizando pelos contornos do meu rosto impurezas de fermento e sal; cada pêlo se sobrepunha sobre o outro; crescia desde o meu intestino, passando pelos pulmões, pelo coração, abrindo caminho na pele, emaranhando-se e apanhando carona numa curva anterior, até enfim atingir enigmáticas sucessões de formas como dobras, falhas, erosões, vulcões, terremotos... fiquei com a aparência titânica dos pré-diluvianos – péssimo pra pedir emprestado. Mas os amigos, os judeus, principalmente, não negam jamais uma ajudazinha – sei que na maioria das vezes é pra não ter que suportar a minha presença muito mais tempo do que dura uma xícara de café. Mas acho também que depois daquela coisa histórica, eles não querem inimizades com niguém de muito brio, afinal... ninguém sabe que tipo de homem a gente pode se tornar... Apesar desses amigos evitarem esses encontros, evitando passar por ruas por onde costumava flanar, eu sabia onde procurar

en la rue des passants.... onde às vezes eu me encontro estacado no chão, encostado numa parede turva esperando o quinhão do dia: e, então, eis que a minha frente surge como de uma noite mal dormida, um exército de combatentes da segunda ordem, marchando sem freios, escorrendo pelas frestas, acotovelando-se, emitindo um calor animal por todas as direções, sem comando, praguejando seu hálito fétido pelas esquinas, com todo o arrojo civilista daqueles latins: “non ducor, duco”, e como estúpidos rebentos da modernidade resgatam a alcunha da cidade: A Capital da Cobiça; e lá vão eles!, os operários do progresso!, os piolhos da atividade!... e entre esta paisagem e outras, entre a fé e a medida de cada homem, ante a miséria de cada oportunidade que o corpo oferece, seja por fome ou por falta de algum êxtase, entre todas essas coisas que fazem com que se perceba que a humanidade está supurada demais para que o homem possa florescer...

LADO A LADO COM A ESPPÉCIE HUMANA CORRE OUTRA RAÇA DE SÊRES, INCITADOS POR DESCONHECIDOS IMPULSOS, TOMAM A MASSA SEM VIDA QUE É A HUMANIDADE E, PELA FEBRE E PELO FERMENTO, TRANSFORMAM ESTA MASSA ÚMIDA EM PÃO, E O PÃO EM VINHO, E O VINHO EM CANÇÃO. E DO COMPOSTO MORTO E DA ESCÓRIA CRIAM UMA CANÇÃO QUE CONTAGIA. VEJO ESTA RAÇA VIRANDO TUDO DE CABEÇA PARA BAIXO, OS PÉS SEMPRE SE MOVENDO EM SANGUE E LÁGRIMAS, AS MÃOS SEMPRE VAZIAS, SEMPRE SE ESTENDENDO NA TENTATIVA DE AGARRAR O DEUS INATINGÍVEL: MATANDO TUDO AO SEU ALCANCE A FIM DE ACALMAR O MONSTRO QUE LHE RÓI AS ENTRANHAS...

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