24.9.10

de 'Caderno Espanhol'

Anabelle dizia que não conseguiria imaginar uma vida sem mim. Imaginava que não conseguiria. Talvez por isso não tenha voltado. Talvez porque pensasse que eu já não estava mais aqui, e talvez não estivesse mesmo... O estilhaço da vidraça continua alí, intacto. Mesmo ausente fui capaz de empurrá-la janela abaixo. Lembro da primeira vez que isso aconteceu. Anabelle entrou cambaleante pela porta e seu sangue vermelho brotava de seu umbigo e ia escorrendo pelas suas pernas brancas, seus lábios estavam rubros e se alongavam pelas paredes da sala. Sorria e me perguntava sobre sua guirlanda de papoulas, os tickets da ópera... Orfeu e Anabelle. De seus joelhos gotejavam seivas de melancolia dura e os seios flutuavam numa bacia de leite... Percebi hoje o quão criminoso é o amor. Amanhã ainda chove. E todo o esgoto do céu continuará despejando lágrimas criminosas sobre mim, gotas de chumbo derretido cujo peso me é insuportável. Decido parecer menos vadio nos próximos dias...

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