(um casal sentado num balanço de crianças)
ELE- Era uma noite de abril; estava com um cachecol vermelho, e uma bota preta que ela levaria para consertar um zíper na semana passada. Seu rosto estava um tanto vermelho pelo vinho que tínhamos acabado de abrir; o seu pescoço se mostrava timidamente sobre os cabelos a altura dos ombros.
ELA- Pois é! Recebi o convite ontem...
ELE- Ela me olhava com um sorriso hesitante.
ELA- Eu recusei.
ELE- Ela desviou os olhos... Que absurdo! Há um ano que você espera por essa oportunidade! Vai telefonar hoje mesmo!
ELA- Não. Por favor, não posso aceitar. Teria que ficar por lá pelo menos um ano; na verdade, teria que arranjar a minha vida por lá... Não quero.
ELE- Lembra do nosso pacto: nossa história não deve fazer você perder nenhuma oportunidade. Vá, pelo menos por um ano. Pensa bem, você tem tanta vontade de viajar!
ELA- Um ano longe de você!
ELE- A gente volta a se encontrar.
ELA- Ele me apertou contra o peito. Ele sabia. Eu não desejava mais viagens, nem perfumes, nada além dele. Eu tinha tecido, durante aquele ano, e com a cumplicidade dele, aqueles laços que me ligavam a ele...
ELE- Como poderia ela, de repente, rompê-los?
ELA- Está desapontado? Teria sido uma boa maneira de se livrar de mim?
ELE- Ela sorria com tristeza... Não tenho a menor vontade de ver você longe de mim, mas me sinto mal por fazer você perder uma oportunidade dessas.
ELA- O coração dele fica constrangido quando precisa ser amável com alguém que sabe que o ama.
ELE- Além de mim ela nada mais amava no mundo. O resto do universo perdera a seus olhos todo o colorido. E eu só lhe concedia uma pálida ternura. Eu a enclausurava num amor solitário.
EU- Por que você não casa com ela?
ELE- Não a amo de verdade.
EU- então por que penetrou tão fundo na vida dela?
ELE- Foi ela quem quis. Disse que a ela cabia escolher, que é livre.
ELA- Se eu pelo menos tivesse certeza que você realmente me quer quando estou do seu lado, que não fica de porre quando sempre te procuro.
ELE- Porque diz isso? eu ficaria como uma alma penada se você me deixasse. Eu só me sinto culpado, só isso.
ELA- Ele me apertou contra o peito, me beijou os cabelos, o rosto, a boca. Me beijou com uma espécie de paixão.
ELE- Eu procurei as palavras mais ternas; e não compreendia por que motivo eu me envergonhava de dizer algumas. Ela estava linda. Sabe?
ELA- Nessa hora seus olhos brilhavam como uma ameaça de felicidade...
ELE- Nunca imaginei que eu poderia me apegar tanto assim a você. Estou ridiculamente feliz por você ter ficado comigo.
ELA- Mesmo?
ELE- Mesmo.
EU- Sim, é muito bonito deixar as pessoas livres...
ELE- Sempre pensei desse modo.
EU- Mas ainda assim nunca deixamos de ser responsáveis.
ELE- Eu revia o rosto corado, os olhos decididos. É você quem deve escolher. Mas que escolha foi reservada pra ela? ela poderia escolher que eu a amasse? que eu não existisse? que não tivéssemos nos conhecido nunca? Deixá-la livre era ainda decidir por ela... O que eu posso fazer? Devo mentir?
EU- Ah... eu não posso te dar conselhos...
(longo silêncio. B.O.)